quinta-feira, 11 de março de 2010

O fim último da Vida

"Não tenho filhos e tremo só de pensar. Os exemplos que vejo em volta não aconselham temeridades. Hordas de amigos constituem as respectivas proles e, apesar da benesse, não levam vidas descansadas. Pelo contrário: estão invariavelmente mergulhados numa angústia e numa ansiedade de contornos particularmente patológicos. Percebo porquê. Há cem ou duzentos anos, a vida dependia do berço, da posição social e da fortuna familiar.
Hoje, não. A criança nasce, não numa família mas numa pista de atletismo, com as barreiras da praxe: jardim-escola aos três, natação aos quatro, lições de piano aos cinco, escola aos seis, e um exército de professores, explicadores, educadores e psicólogos, como se a criança fosse um potro de competição.

Eis a ideologia criminosa que se instalou definitivamente nas sociedades modernas: a vida não é para ser vivida - mas construída com sucessos pessoais e profissionais, uns atrás dos outros, em progressão geométrica para o infinito. É preciso o emprego de sonho, a casa de sonho, o maridinho de sonho, os amigos de sonho, as férias de sonho, os restaurantes de sonho.

Não admira que, até 2020, um terço da população mundial esteja a mamar forte no Prozac. É a velha história da cenoura e do burro: quanto mais temos, mais queremos. Quanto mais queremos, mais desesperamos. A meritocracia gera uma insatisfação insaciável que acabará por arrasar o mais leve traço de humanidade. O que não deixa de ser uma lástima.

Se as pessoas voltassem a ler os clássicos, sobretudo Montaigne, saberiam que o fim último da vida não é a excelência, mas sim a felicidade!"

João Pereira Coutinho, jornalista

Dá que pensar....

7 comentários:

Carolina disse...

Muito bem escrito este texto!
É o caos.
Que bons os tempos em que se tinha TEMPO para brincar na rua com o pião, lançar ao ar as cinco pedrinhas, saltitar a pé cochinho na "calha-calha". Ter TEMPO de inventar os próprios brinquedos.
Não se viver "atafulhado" de actividades que não deixam espaço para nada, nem sequer conhecer, falar, abraçar os pais!
Que adultos stressados serão as crianças de hoje?
Dá que pensar, sim senhor...

Carolina disse...

Rectifico: "pé coxinho" pois claro!

Cláudia Faria disse...

Ando a dizer isto há anos. Que vidas sem sentido levam a maioria das pessoas da minha geração. A casa com vista para não sei onde, o lugar de garagem, o vizinho rico ou famoso do lado, o colégio da criança que é mais exclusivo do que o da filha do não sei das quantas, o hotel de charme para onde se vai ao fim de semana, no meio do campo, mas de onde se está em stress para sair para não apanhar trânsito à entrada da cidade, o carro novo com todos os extras, o restaurante da moda e as férias de sonho que todos os anos têm de ser mais longe e mais caras e uma frustração, uma miséria interior e uma infelicidade permanente que ninguém consegue explicar nem combater a crescer cada vez mais no íntimo de cada um. A cada frase do texto vinham-me à cabeça caras de gente conheço e que encaixam perfeitamente neste exemplo. Foi muito graças a esta noção do tipo de vida que se constrói e não se vive no Ocidente que decidimos vir para África. E com todos os problemas e idiossincrasias que a vida aqui pode ter, pelo menos aquele nó permanente que me impedia de respirar a plenos pulmões desfez-se. Beijinhos Laura. Até para a semana! =)

Cláudia Faria disse...
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arlete disse...

balelas de quem não tem coragem de ter um a alegria de ter um filho e ver que o mundo é como um arco-iris.

O céu da Céu disse...

Estou totalmente em sintonia com as palavras do autor e os comentários das amigas. Que pena as crianças que vivem em redomas e gaiolas, passam horas em actividades, em transportes e quando chegam a casa...dormem (ou veem TV).E os pais cansados,stressados...(sem mais comentários).Um abracinho

lami disse...

Difíceis os dias de hoje, e tão difícil manter a sanidade mental nesta atmosfera asfixiante!
Temos de reaprender todos a apreciar e transmitir às nosssass crianças as coisas simples, o ar puro, a liberdade , os momentos de descontracção, as brincadeiras ao ar livre, as histórinhas, os jogos...