domingo, 6 de maio de 2007

Poema à Mãe


No mais fundo de ti
Eu sei que te traí, mãe.
Tudo porque já não sou

O menino adormecido
No fundo dos teus olhos.
Tudo porque ignoras
Que há leitos onde o frio não se demora
E noites rumorosas de águas matinais.
Por isso, às vezes, as palavras que te digo
São duras, mãe,
E o nosso amor é infeliz.
Tudo porque perdi as rosas brancas
Que apertava junto ao coração
No retrato da moldura.
Se soubesses como ainda amo as rosas,
Talvez não enchesses as horas de pesadelos.
Mas tu esqueceste muita coisa;
Esqueceste que as minhas pernas cresceram,
Que todo o meu corpo cresceu,
E até o meu coração
Ficou enorme, mãe!
Olha - queres ouvir-me?
-Às vezes ainda sou o menino
Que adormeceu nos teus olhos;
Ainda aperto contra o coração
Rosas tão brancas
Como as que tens na moldura;
Ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
No meio do laranjal...
Mas - tu sabes - a noite é enorme,
E todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
Dei às aves os meus olhos a beber.
Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo as rosas.
Boa noite.
Eu vou com as aves.

Eugénio de Andrade, Os Amantes sem Dinheiro

6 comentários:

Jelicopedres disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Jelicopedres disse...

As Mães seguram os seus filhos nos braços, por "momentos", e os seus corações para sempre!

lami disse...

Tão pouco tempo somos meninos!

Anônimo disse...

É pena ser pouco tempo, mas por mim foi bem aproveitado graças a Deus !
Foi muito bom crescer, para poder ser mãe, e avó !!!
Muitos beijinhos a todas as Mães, deste País :)))

Anônimo disse...

Gostei muito desse poema, um grande beijo para todas as mães.

Carolina disse...

Lindo!